Professora Doutora, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília – UnB
1 – A busca da sustentabilidade na indústria da construção civil devido ao grande impacto ambiental
A sustentabilidade na construção civil hoje é um tema de extrema importância, já que a indústria da construção causa um grande impacto ambiental ao longo de toda a sua cadeia produtiva. Esta inclui ocupação de terras, extração de matérias-primas, produção e transporte de materiais, construção de edifícios e geração e disposição de resíduos sólidos. Além disto, segundo o (CIB, 2000: 17), a indústria da construção é um dos grandes contribuintes do desenvolvimento sócio-econômico em todos os países.
Em relação à quantidade de materiais, (SOUZA, 2005: 13) estima que em um metro quadrado de construção de um edifício são gastos em torno de uma tonelada de materiais, demandando grandes quantidades de cimento, areia, brita, etc. Ainda, são gerados resíduos devido às perdas ou aos desperdícios neste processo; mesmo que se melhore a qualidade do processo, sempre haverá perda e, portanto, resíduo; alguns levantamentos em canteiros de obra em Brasília-DF estimaram uma média de geração de entulho de 0,12 Ton/m2.
Observa-se que houve um grande avanço na qualidade da construção civil nos últimos anos, obtido principalmente por meio de programas de redução de perdas e implantação de sistemas de gestão da qualidade. Não há dúvidas, porém, que nas próximas décadas, além da qualidade (implantada para a garantia da satisfação do usuário com relação a um produto específico), haverá também uma grande preocupação com a sustentabilidade, antes de tudo, para garantir o próprio futuro da humanidade.
Pode-se dizer que já há uma grande movimento neste sentido, e várias pesquisas têm sido realizadas nesta área, subsidiadas por agências governamentais, instituições de pesquisas e agencias privadas no mundo inteiro. No Brasil este movimento teve início após a EC0-92, realizada no Rio de Janeiro, quando foram estabelecidas algumas metas ambientais locais, incluindo a produção e a avaliação de edifícios e a busca do paradigma do desenvolvimento sustentável, obtido pela produção da maior quantidade de bens com a menor quantidade de recursos naturais e menor poluição.
Com relação à construção civil, o aproveitamento de resíduos é uma das ações que devem ser incluídas nas práticas comuns de produção de edificações, visando a sua maior sustentabilidade, proporcionando economia de recursos naturais e minimização do impacto no meio-ambiente. O potencial do reaproveitamento e reciclagem de resíduos da construção é enorme, e a exigência da incorporação destes resíduos em determinados produtos pode vir a ser extremamente benéfica, já que proporciona economia de matéria-prima e energia.
2 – O resíduo sólido de construção e demolição: classificação e estimativas de geração
O resíduo sólido de construção e demolição é responsável por um grande impacto ambiental, e é freqüentemente disposto de maneira clandestina, em terrenos baldios e outras áreas públicas, ou em bota fora e aterros, tendo sua potencialidade desperdiçada.
Apesar desta prática ainda ser presente na maioria dos centros urbanos, pode-se dizer que nos últimos anos ela tem diminuído, em decorrência principalmente do avanço nas políticas de gerenciamento de resíduos sólidos, como a criação da Resolução nº. 307 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 2002), que estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão destes resíduos, classificando-os em quatro diferentes classes:
Classe A – resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados (tijolo, concreto, etc);
Classe B – resíduos reutilizáveis/recicláveis para outras indústrias (plástico, papel, etc);
Classe C – resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias viáveis que permitam sua reciclagem (gesso e outros) e
Classe D – resíduos perigosos (tintas, solventes, etc), ou contaminados (de clínicas radiológicas, instalações industriais e outros).
Estimativas de geração anual destes resíduos apontam índices mundiais variáveis. De acordo com (JOHN, 2000: 29), EUA, Japão e Alemanha apresentam alguns dos maiores índices. Para o Brasil (ÂNGULO et al., 2004: 2) indica 68,5 milhões de toneladas por ano.
(PINTO, 1999: 49), aponta para o Brasil, uma porcentagem destes resíduos em torno de 50% do volume total de resíduos sólidos produzidos pelos grandes centros urbanos. Merecem, pois, uma atenção especial quanto ao seu manejo e disposição. A Tabela 1, a seguir, apresenta algumas estimativas de geração destes resíduos em várias capitais do Brasil.
Tabela 1 – Estimativa da geração de resíduos sólidos da construção e demolição em diferentes cidades do Brasil para o ano base de 1997. (PINTO, 1999: 55).
Município | Santo André | São José do Rio Preto | São José dos Campos | Ribeirão Preto | Jundiaí | Vitória da conquista | Brasília |
Quantidade de resíduos (Ton/dia) | 1013 | 687 | 733 | 1043 | 712 | 310 | 4000 |
Em recente pesquisa realizada por (ROCHA & SPOSTO, 2005: 9), foi apontada a geração de cerca de 5.500 ton/dia de resíduos sólidos de construção e demolição no Distrito Federal – DF. Ainda, em amostras coletadas em 14 canteiros de obras de Brasília, constatou-se a ocorrência de 85% de resíduos recicláveis (30% de classe A e 55% de classe B).
Observa-se que a quantidade destes resíduos é elevada, requerendo um manejo ambientalmente adequado, com alternativas para a sua redução, reutilização e reciclagem. Isto pode ser viabilizado pela criação de um sistema eficiente de gestão municipal, incluindo a coleta seletiva em canteiros de obra e a oficialização de áreas adequadas para a disposição e reciclagem dos resíduos.
O Distrito Federal conta atualmente com duas mini-usinas de beneficiamento destes resíduos, uma situada no Aterro do Jóquei, na via Estrutural, e a outra na cidade de Ceilândia. Somente a mini-usina situada no aterro do Jóquei, porém, está em funcionamento, e sua capacidade de produção é baixa, utilizada quase que somente para correções do terreno e pavimentação dentro do próprio aterro.
O resíduo da construção apresenta um grande potencial de uso, principalmente em se tratando do resíduo Classe A. Para a viabilização da sua reciclagem, porém, são necessários: mais investimentos em pesquisas nesta área, programas de coleta e gestão adequadas, principalmente nas grandes capitais (maiores geradoras) e construção de usinas de reciclagem em todo o Brasil (conforme já é feito em cidades como Santo André-SP e Belo Horizonte-MG).
3 – Pesquisas realizadas na Universidade de Brasília – UnB
As instituições de pesquisa têm uma contribuição importante a dar, ressaltando-se a importância de abordagens interdisciplinares, nas áreas de economia, ciências socais, engenharia, ciência ambientais e arquitetura, com pesquisas nas áreas de educação ambiental, gestão, reaproveitamento e reciclagem de resíduos, entre outras.
Com relação à gestão, aponta-se o Projeto de Gerenciamento de Resíduos Sólidos em Canteiro de Obras, que vem sendo realizado em parceria com a Universidade de Brasília – UnB (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Departamento de Engenharia Civil e Ambiental) e o setor produtivo (empresas construtoras) em Brasília. Este projeto, na sua primeira fase, contou com o apoio do Sebrae-DF, Sinduscon-DF e várias outras instituições, sendo que foi apresentado um piloto para o Distrito Federal e Goiânia, contemplando planos de redução de resíduos, reutilização e reciclagem. Observou-se que os principais resultados deste projeto para as empresas construtoras foram: redução de custo devido o menor numero de caçambas necessárias à coleta em canteiro, melhoria da organização e limpeza da obra e contribuição da empresa com a educação ambiental de sua mão de obra, entre outros (BLUMENSCHEIN & SPOSTO, 2003).
Sobre pesquisas de reciclagem, ressalta-se a potencialidade destes resíduos para a produção de novos materiais e componentes para habitações e infra-estrutura, como placas de piso, blocos de vedação, argamassas, meio-fio, etc. A UnB já iniciou pesquisas nesta área, sendo que a primeira fase do projeto tratou da caracterização e quantificação dos resíduos em Brasília, e a segunda fase, de desenvolvimento de componentes, será iniciada no mês de março. Observa-se que o entulho de construção (classe A) tem um grande potencial para a construção de habitações de interesse social, realizadas por meio de autoconstrução, permitindo economia de matéria-prima e de energia, por meio do uso de materiais e componentes reciclados, ao invés de materiais mais nobres.
4 – A reciclagem de resíduos da construção e a geração de emprego e renda
Muito se tem ouvido falar em sustentabilidade nos dias atuais, e embora a maior parte das abordagens, até agora, tenha privilegiado o impacto no meio-ambiente (biodiversidade, nível de tolerância da natureza e dos recursos), esta começa a mudar (ou a ser ampliada), especialmente nos países não-desenvolvidos, entre eles o Brasil, devido à necessidade de priorização também de aspectos econômicos, sociais e culturais.
Quanto à reciclagem, do ponto de vista econômico, segundo (CALDERONI, 2003: 319), não reciclar significa deixar de auferir rendimentos da ordem de bilhões de reais todos os anos. Segundo o mesmo autor, a economia de matéria-prima constitui o principal fator de economia, seguida da economia de energia elétrica.
E do ponto de vista social, a tecnologia de reciclagem é apontada como uma das alternativas para a geração de emprego e renda. O resultado é que além da economia de matéria-prima e energia na produção de novos agregados, o uso e a reciclagem de resíduos da construção e demolição proporcionam novas oportunidades de emprego para uma parcela da população que freqüentemente é excluída, que passa a se organizar em grupos e efetivamente a gerar renda, tanto na coleta (catadores) quanto em cooperativas de reciclagem (na produção de novos materiais e componentes). É inegável, portanto, o benefício trazido para a indústria, sucateiros, carrinheiros e catadores em geral.
Em Brasília algumas iniciativas, particularmente parcerias entre secretarias governamentais e a iniciativa privada, têm sido tomadas para minimizar os danos causados pelos seus resíduos. Estas iniciativas, ainda em estágio inicial, buscam a adequação das atividades de coleta, transporte e disposição dos resíduos urbanos, além de inúmeros benefícios sociais, ambientais, econômicos, políticos e de direitos humanos, e apesar de serem muito importantes, são ainda insuficientes para a resolução do problema, que requer em caráter de urgência o desenvolvimento e a implantação de um plano integrado de resíduos sólidos para a cidade de Brasília e Distrito Federal, tendo em vista a integração de todos os agentes envolvidos no processo.