A construção de edifícios em Portugal, sejam eles para habitação ou para outros fins, continua a não responder de forma cabal às atuais necessidades de isolamento, eficácia energética e conforto, entre muitos mais aspectos. E, isto, apesar de modo comum se dizer que os materiais evoluíram, que as técnicas evoluíram.
Ora, se assim é, porque os nossos edifícios necessitam ser “climatizados”, ou seja, a ser frios e úmidos no Inverno e verdadeiras salas de sauna no Verão? Porque vamos encontrando aqui e além fundamentadas críticas que nos alertam para a má construção e para a premente necessidade de uma “revolução” na forma de construir em Portugal.
Em boa verdade, em matéria de construção, o período que vivemos é de despertar. Um despertar lento, é certo, mas mesmo assim imprescindível, pois as novas realidades que a este nível se apresentam na nossa sociedade a isso conduzem.
Assim sendo, é frequente ouvir-se falar da diversificação das técnicas de construção como um dado positivo. Mais, é da ainda débil divulgação dessas técnicas que paulatinamente emana, por um lado, o repto às consciências (técnicas e leigas) e, por outro, o seu papel tendencialmente preponderante que arrasta, em certos casos, para o presente um conjunto de antigas soluções construtivas, algumas milenares que, mercê de diversos fatores, hoje nos parecem novas.
Os desafios da nossa sociedade atual, em muitos aspectos carente, sobretudo em termos energéticos e de sustentabilidade há muito que vêm acordando preocupações ecológicas neste cadinho, bem como em outros locais do planeta, onde o esbanjamento energético tem sido – continua a ser – uma característica desprezível e preocupante, também ao nível da construção e da arquitetura.
Em nome do bem-estar, do conforto e de mais umas quantas legitimas aspirações humanas, passamos décadas e continuamos, a projetar e a fazer edifícios, que unicamente alimentam toda uma indústria de grandes impactos sobre o ambiente e consumidora de muitos recursos, incluindo água.
Em períodos sucessivos a tendência foi para a eleição de prioridades ao nível dos materiais básicos de construção. Primeiro foi o tijolo cozido, depois o cimento, a seguir o betão… E, sempre, em doses inusitadas e com um alto custo energético.
Os dias que vivemos são agora outros e o conhecimento científico e técnico vem dando frutos, desde logo, porque já demonstrou que a fatura energética dos edifícios pode ser reduzida em cerca de 25 por cento. Para tanto há apenas que repensar, reformular a nossa arquitetura, a nossa construção.
É pois partindo da ideia de que os edifícios do futuro podem potenciar a redução dos consumos de energia, seja durante a obra, a sua vida útil ou, posteriormente, na sua demolição, que fomos em busca de informação à Associação Centro da Terra (CdT), fundada em Novembro de 2003, para o estudo, documentação e difusão da construção com terra.
Do velho se faz novo…
A terra é, desde tempos remotos, um dos principais materiais de construção usado pelo Homem, pois, se por um lado, estava à mão de semear, por outro, era facilmente conformada e naturalmente seca. Sobre este seu uso, perdido nas dobras do tempo, existem hoje diversos estudos arqueológicos que o atestam, indicando até construções em terra de aproximadamente dez mil anos.
O arqueólogo Cláudio Torres não vai tão longe no tempo, embora no seu artigo “A memória da terra” – in “Arquitectura de terra em Portugal”, editado pela CdT e publicado, faz um ano, pela “Argumentum”, – fale da ancestralidade da construção em terra e da sua chegada à Península Ibérica por volta do século XI, para concluir que “seja seguindo com rigor as velhas tradições, seja experimentando novas técnicas, a construção em terra parece imparável, abrindo perspectivas insuspeitas na economia de meios, na qualidade ambiental e mesmo na variedade e equilíbrio de volumes, tão necessários a uma requalificação da nossa arquitetura” e, claro, por oposição, a uma sociedade de consumo, “em que a eficácia do cimento e a arrogância do concreto armado tudo dominam”…
O arquiteto Miguel Mendes, da direcção da CdT, afirma convicto que “a valorização da técnica da construção em terra crua tenha de passar por duas frentes incontornáveis”, como sejam a “da sofisticação e a da modernização da sua execução e do seu desempenho a nível económico”.
Os argumentos fundamentais empregues na defesa desta técnica têm partido do fato de a terra ser um material abundante e reutilizável, não processado industrialmente e, por comparação com outros materiais, ecológico.
Para o arquiteto, a construção em terra crua tem futuro em Portugal e o trabalho concretizado demonstra-o. É certo que tem sido importante desmistificar um conjunto de ideias feitas ou de preconceitos inerentes à terra, desde logo o do desconforto e o da durabilidade. Este, um mito facilmente abalado pelos testemunhos existentes no mundo e em Portugal, como é o caso do “Castelo de Paderne, do século XII, que ainda lá está, à chuva e ao vento, todo em taipa”.
Seja como for, a projeção da construção em terra no futuro depende, como defende Miguel Mendes, “do desenvolvimento tecnológico e técnico” em moldes que permitam “a massificação da construção em terra, ou seja, o seu enquadramento no contexto atual da standartização”. Esta, uma posição que, o arquitecto reconhece, ainda não gerar consensos, ao afirmar que “a construção em terra crua está ainda associada a um certo apego excessivo à tradição, pelo que a standartização é vista como um sintoma de industrialização, o que lhe retiraria uma grande parte do seu interesse, sobretudo, a nível económico”.
Depois de desmistificar, depois de acabar com os equívocos e as confusões relativas à construção em terra, Miguel Mendes defende a necessidade de lhe “baixar o nariz”, que é como quem diz, de assentar ideias e conhecimentos.