Com extraordinária concisão, Mahatma Gandhi, herói da independência da Índia, disse que a terra oferece muito para as necessidades de todos, mas não para a avidez de cada um. A física e doutora em filosofia indiana Vandana Shiva fez do lema gandhiano a inspiração principal de suas pesquisas e suas denúncias.

Em junho de 2012, os líderes mundiais, juntamente com milhares de representantes governamentais, ONGs e grupos ambientais, bem como com o setor privado, se encontrarão no Rio de Janeiro, Brasil, para a Rio+20, vinte anos após a Cúpula da Terra, organizada pelas Nações Unidas em 1992, para tratar de desafios ecológicos urgentes como a extinção de espécies, a erosão da biodiversidade e a mudança climática. A Cúpula da Terra nos deu duas leis internacionais significativas – a Convenção sobre a Diversidade Biológica das Nações Unidas e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). Também gerou os princípios do Rio, incluindo o princípio da precaução e do poluidor-pagador.

O mundo mudou radicalmente desde 1992 e, infelizmente, não foi para melhor. A sustentabilidade ecológica foi sistematicamente sacrificada por um modelo de economia particular, modelo este que está em crise. O ano de 1995 viu uma mudança tectônica nos valores que regem nossas decisões conjuntas, uma reviravolta para aqueles que tomam tais decisões. Foi o ano da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Enquanto os princípios do Rio eram baseados em valores sustentáveis, a OMC introduziu o paradigma global corporativo, modificando os valores e estruturas de governo, bem como as tomadas de decisão por meio de acordos de livre comércio entre as nações.

A conservação dos recursos naturais e o compartilhamento igualitário foram sendo substituídos, com o passar dos anos, pela ganância e privatização destes recursos. As economias sustentáveis e as sociedades foram trocadas por sistemas de produção não-sustentáveis e por um impulso desenfreado de espalhar o vírus do consumo. A tomada de decisão passou às mãos de corporações internacionais, direta e indiretamente. Portanto, não é surpreendente que, quando nos encontrarmos na Rio+20, a crise ecológica esteja mais profunda do que na época da Cúpula da Terra.

Enquanto corporações escreveram as regras da OMC e do livre comércio, elas também subverteram as regras ambientais que deveriam reger suas atividades comerciais para garantir a sustentabilidade. Elas modificaram as leis da natureza, que deveriam regulá-las, para leis de comercialização e de comodificação dos recursos do planeta. Elas subverteram o Tratado do Clima (derivado da CQNUMC) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).

Em vez dos poluidores pagarem e serem regulados nacional e internacionalmente, os maiores poluidores da atmosfera estão agora ditando as regras de como lidar com a mudança climática. A indústria da biotecnologia, que causou poluição genética ao liberar organismos geneticamente modificados na atmosfera, está ditando as regras de como lidar com a biodiversidade e com a biosegurança em âmbito governamental. A tentativa de introduzir a Autoridade Reguladora da Biotecnologia na Índia é um exemplo disso.

O objetivo original do Tratado do Clima era criar taxas de redução obrigatórias aos poluidores históricos que, na era pré-globalização, estavam concentrados no rico e industrializado Norte. O Tratado foi destruído em 2009, na Cúpula do Clima de Copenhague, com uma tentativa de substituí-lo com um acordo não obrigatório. O protocolo de Quioto, de 1997, introduziu o comércio de emissões que significava que o poluidor seria pago e não punido.

Os grandes poluidores foram pagos, primeiramente, ao terem a permissão privada sobre a atmosfera. Então, os poluidores foram pagos ao obterem lucro com o comércio de carbono. Os lucros aumentam e a emissão aumenta. O caos climático é pior hoje do que era em 1992. Os poluidores procuram novas formas de ganhar dinheiro e obter recursos. Agora, eles querem comodificar as funções ecológicas e os serviços que a natureza fornece. Este será o grande debate da Rio+20.

*Vandana Shiva é autora de inúmeros livros sobre questões ambientais e convidada de diversos documentários sobre o futuro dos recursos naturais no planeta, Vandana levanta a voz conta quem ameaça a sustentabilidade, infertiliza a terra e produz injustiça social. Ela dirige o Centro para a Ciência, Tecnologia e Política dos Recusos  Naturais Dehradun, na Índia, e está entre as principais especialistas internacionais em ecologia social. Vencedora do Right Livelihood Award (Prêmio Nobel Alternativo da Paz), concedido por suas ideias pioneiras sobre os custos sociais e ambientais do desenvolvimento, também faz parte do Top 100 mulheres ativistas, do jornal britânico The Guardian.

Seu trabalho em favor das sementes como patrimônio da humanidade, sua atuação em programas ambientais e, nos últimos anos, suas pesquisas sobre os direitos de propriedade coletivos, como alternativa para os sistemas de direitos de propriedade intelectual, fizeram de Vandana  Shiva um nome expressivo na defesa dos direitos humanos e ambientais na contemporaneidade.

http://www.vandanashiva.org/

http://www.fronteirasdopensamento.com.br

 

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