A mesquita de Djenna em Timbuktu no Mali, o maior edifício de adobe do mundo.
Os troncos de madeira cravados nas paredes aumentam a sua resistência estrutural, permitem a sua dilatação e contracção sem fissurar e servem de apoios para a manutenção dos rebocos exteriores
Manutenção do exterior da mesquita de Djenné em Timbuktu
As paredes dos edifícios de construção com terra são estruturais, suportando o peso do telhado sem necessidade de introdução de qualquer estrutura de apoio. Esta grande capacidade de resistência à compressão e consequente bom comportamento estrutural, depende em boa medida de regras de designque ao longo dos séculos o homem aperfeiçoou.
Dessas regras ressaltam a necessidade de as construções terem uma configuração o mais regular possível, para que os esforços se distribuam de forma igual por todo o edifício e não se criem pontos de concentração de cargas. Devem evitar-se paredes demasiado compridas, altas e desapoiadas, sendo fundamental que sejam intersectadas por outras segundo um ritmo constante. Os vãos devem situar-se no centro das paredes, onde os esforços a que estão sujeitas são menores, e as coberturas devem ser o mais leves possível, conferindo ao edifício uma maior massa na base e não no topo.
Nestes pressupostos, as construções mais estáveis serão as de forma circular, já que, por não terem ângulos, distribuem uniformemente as cargas ao longo da parede.
Construção circular de terra e colmo na Irlanda
A generalidade das construções tradicionais, sejam de terra ou pedra reagem mal aos esforços de tracção, ou seja, aos movimentos horizontais ou laterais, provocados, por exemplo, por sismos.
Não é raro observarem-se nas habitações rurais os chamados gigantes, contrafortes de forma triangular, que têm como objectivo evitar que as paredes se desloquem para o exterior, movimento que é acentuado pelo peso do telhado.
A pedra e o tijolo cozido são muitas vezes utilizados nas construções de taipa para reforçar os cunhais, zonas geralmente mais sujeitas ao desgaste que o resto da parede, sendo também frequentemente dispostos em fiadas entre cada camada de taipa para conferir à parede maior estabilidade.
Existem muitas soluções tradicionais de reforço das construções de terra, baseadas sobretudo na utilização de elementos vegetais, como vigas de madeira, bambus ou fibras, ou metálicos, desde perfis a varões, passando por redes e pelo próprio arame farpado, aplicados principalmente na zona superior das paredes, com o objectivo de evitar o descolamento entre si e o seu desaprumo.
Aldeia de terra no Vale do Rheris, em Marrocos
Se é verdade que a construção com terra continua a ser uma realidade nos países em vias de desenvolvimento, onde a autoconstrução é praticada, a mão-de-obra contratada é barata, e os processos de fabricação e transporte de materiais não se encontram desenvolvidos, nos países industrializados a situação é inversa.
Não existindo mais uma pratica de construção com terra, existe a necessidade de recuperação dos edifícios tradicionais que ainda subsistem, a qual, se não for realizada em moldes correctos, com soluções compatíveis, será tão prejudicial como o seu próprio abandono.
Concretamente, a intervenção nesses imóveis com recurso a materiais como o cimento e o betão armado, infelizmente ainda muito em prática, vão acelerar a sua degradação. As argamassas de cimento introduzem nas paredes patologias por meio dos efeitos de capilaridade, que resultam no aparecimento de fungos e outro tipo de colonização vegetal. As estruturas de betão armado, para além de terem um carácter intrusivo nas paredes e diminuírem a sua resistência, imprimem à construção movimentos de dilatação e contracção que ela não acompanha, provocando fissurações.
Casa de terra na Irlanda
As experiências de reutilização da terra em edifícios de raiz nos países industrializados têm-se colocado num plano eminentemente cultural, constituindo geralmente opções de entidades públicas interessadas em fazer perdurar essas técnicas ancestrais, ou intervenções de iniciativa privada no domínio da habitação unifamiliar, promovidas por pessoas que fazem questão de desfrutar do conforto e das possibilidades estéticas que a construção com terra oferece.
No entanto, o conceito cada vez mais abrangente de custo de construção, que não se restringe ao valor necessário para colocar um imóvel pronto a habitar, mas que evolui para um conceito integrado de preço, consumo energético e custo de manutenção durante um período médio de 20 anos, pode colocar de novo a construção com terra na ordem do dia, como o fez durante a crise energética de 1973.
Apesar de não ser razoável pensar numa generalização desta técnica de construção, o seu âmbito e mercado podem ser consideravelmente alargados.
Habitação de terra energeticamente auto-suficiente no Canadá
De facto, a construção com terra, já por si uma técnica isenta de consumo energético, combinada com a utilização de fontes de energia renováveis e sustentáveis, como por exemplo a solar ou eólica, pode-se revelar como rentável nessa perspectiva abrangente.
“O recurso às arquitecturas de terra poderia também facilitar uma reinserção vital da arquitectura nas diversas tradições culturais e populares das comunidades e reconciliar-nos finalmente com o sentido e a realidade do espírito do lugar, recriando uma ligação de continuidade entre a história, a actualidade e o futuro”.
Bibliografia
ASSOCIAÇÃO CENTRO DA TERRA. “Arquitectura de Terra em Portugal”. Argumentum, Lisboa, 2005
CRATerre. “Traité de Construction en Terre”. Parenthèses, Marseille, 1989
DETHIER, Jean. “Le Génie de la Terre” in “Des Architectures de Terre”. Centre Georges Pompidou, Paris, 1982
SCHILDERMAN, Theo. “The Improvement of the Earthquake Resistance of Low Income Housing”. Skopje, 1982