Empreendimentos Habitacionais: Soluções Diferentes Para Problemas Específicos

De olho em fontes alternativas de matérias-primas para a construção, um grupo que envolve sete instituições de pesquisa aposta em soluções regionais para melhorar a qualidade e reduzir os custos da habitação de interesse social no Brasil. Projeto envolve avaliação de mais de 150 empreendimentos habitacionais populares e o mapeamento dos resíduos com maior potencial de aproveitamento.

Tijolos de solo-cimento com aproveitamento de resíduos cerâmicos, tijolos que utilizam resíduos de frutíferas da Amazônia ou tijolos manufaturados a partir de resíduos de rochas ornamentais? Depende do lugar, afirma um grupo de pesquisadores financiado pelo Programa de Tecnologia de Habitação (Programa Habitare), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). De olho em fontes alternativas de matérias-primas, o grupo aposta em soluções adaptadas às necessidades regionais para movimentar as economias locais e reduzir, com qualidade, os custos da habitação de interesse social no Brasil.

Para isso, os pesquisadores vão avaliar mais de 150 empreendimentos habitacionais populares, localizados em cinco estados brasileiros. Mais do que se debruçar sobre o aproveitamento de resíduos, os projetos estão direcionados ao desenvolvimento, aplicação e difusão de tecnologias inovadoras envolvendo o processo de construção desde a concepção até a manutenção dos empreendimentos. Participam do grupo pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado de São Paulo (IPT).

“A indústria de construção é uma das poucas indústrias que podem reaproveitar, em escala, os resíduos das demais atividades econômicas. E isso significa avançar no aproveitamento de resíduos diferentes”, explica o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Carlos Torres Formoso, coordenador geral da rede Ciência, tecnologia e inovação para a melhoria da qualidade e redução de custos da habitação de interesse social. Uma das apostas nesta diversidade, explica, está nos próprios custos da obra. É que o transporte de materiais de construção feitos a partir de resíduos que estão concentrados em outras regiões impediria o aproveitamento de soluções na escala – e no preço – que o setor precisa.

Entre estas soluções já estão uma tinta à base de gesso, tijolos de solo-cimento com aproveitamento de resíduos cerâmicos e blocos vazados com aproveitamento de agregados de resíduos de construção e de demolição. “Não há uma solução para todo o Brasil, até porque há muitas especificidades. À medida que você gera conhecimento com base nas regionalidades, estimulamos também o desenvolvimento de soluções no local”, diz o coordenador do curso de Engenharia Ambiental da Universidade São Francisco (SP), Derval dos Santos Rocha.

Um bom exemplo, explica, está no aproveitamento dos resíduos de rochas ornamentais. O Brasil é um grande produtor mundial das pedras – e também de resíduos gerados na extração e corte dos blocos, especialmente de granitos e mármores. Na serragem, 25% a 30% da pedra são transformados em pó. A quantidade desse resíduo no país é estimada em 800 mil toneladas por ano, sendo que Espírito Santo, Bahia, Ceará e Paraíba estão entre os estados que mais oferecem rochas ao mercado – e os que mais geram o pó de serragem e sentem seu impacto ambiental.

Uma análise recente, desenvolvida com apoio da Finep, resultou em um sistema de produção de peças pré-moldadas para habitação de interesse social que podem substituir até 10% de cimento na fabricação de blocos de vedação no Espírito Santo. O resíduo com origem na Bahia, terceiro maior produtor de rochas ornamentais do Brasil, pode substituir até 15% de cimento na produção de pisos para pavimentação – e 10% para blocos de vedação.

Tijolos feitos a partir de resíduos de rochas ornamentais

Já em alguns estados do Norte do país, por exemplo, pode ser mais interessante apostar em tijolos para a construção civil que utilizam resíduos de espécies frutíferas da floresta. A novidade, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é confeccionada com o ouriço e com a casca da castanha-do-brasil e com fragmentos vegetais do tucumã, palmeira que chega a medir 20 metros de altura. Uma das justificativas para o desenvolvimento do projeto foi a grande disponibilidade de matéria-prima na região amazônica. De acordo com o IBGE, são produzidas anualmente mais de 30 toneladas de castanha-do-brasil no Norte do país. Estima-se que sejam gerados pelo menos duas vezes mais resíduos, normalmente jogados fora após a colheita do fruto.

Um passeio pelos principais centros de pesquisa do país dedicados ao reaproveitamento de resíduos na construção também dá sinais desta diversidade, explica Derval. A Universidade São Francisco, por exemplo, trabalha com resíduos de gesso e de materiais cerâmicos, agregados a blocos de vedação. A Universidade Federal de Campina Grande trabalha com a produção de blocos e placas leves de vedação com adição de diferentes materiais, entre eles a borracha resultante da indústria de calçados, resíduos de cerâmica, pó gerado no corte de granito e o rejeito do caulim – todos derivados de atividades econômicas próprias da região Nordeste. Já na UFSC, cinzas de termoelétricas, cinzas de casca de arroz e o entulho da construção e demolição estão entre as matérias-primas secundárias estudadas.

Segundo os pesquisadores ouvidos pelo Portal da RTS, o trabalho de pesquisa em rede deve possibilitar um avanço nos procedimentos para avaliação de materiais e de componentes com resíduos agregados. Para isso, estão também sendo realizados estudos para aumentar a eficiência da moagem e trituração de resíduos, outro campo fundamental nos estudos de utilização na construção habitacional. “É uma nova forma de pesquisar o setor no Brasil. A integração destes conhecimentos será muito importante”, avisa Formoso.

De olho nesta diversidade, o grupo financiado pela Finep irá desenvolver também um sistema de referenciais tecnológicos capaz de dar resposta a essas especificidades. O lançamento está previsto para julho de 2009. “Precisamos abrir a discussão sobre os resíduos pensando sistemas on-line onde essas informações estejam disponibilizadas, o que implica traçar um mapa de resíduos potenciais considerando a questão da escala”, diz a professora Janaide Rocha, do Departamento de Engenharia Civil da UFSC. Uma das premissas para isso, explica, é a realização de rigorosas avaliações prévias de impacto ambiental com vistas a assegurar a qualidade das habitações. “Vencidos os desafios mecânicos, não podemos esquecer que pode haver algum tipo de contaminação. Por isso é importantíssimo realizar todos os testes”, pondera.

Futuro

Para a habitação popular sustentável, um novo olhar para o projeto e a construção. Segundo Formoso, é essencial um novo enfoque de análise de ciclo de vida que considere desde a forma como se extraem os materiais até sua destinação quando da demolição ou desmonte da edificação ao final de sua vida útil. Mais do que isso, diz, é imprescindível compatibilizar essa preocupação com outros enfoques sociais, econômicos e ambientais. “Num projeto habitacional não se entrega só uma casa. É preciso pensar também, na infra-estrutura urbana e nos equipamentos sociais, bem como no perfil das populações beneficiadas. A habitação tem de ser vista como um produto ampliado”, defende.

Uma das apostas da Finep para chegar lá é o Protótipo Casa Alvorada (PCA), que engloba o projeto de uma unidade habitacional e o tratamento do lote, incluindo o seu paisagismo e uma proposta de equipamentos de suporte à otimização do conforto ambiental e de gestão de resíduos, de água e de recursos energéticos. O protótipo, erguido no campus da UFRS, consiste em residências unifamiliares, com um programa de necessidades típico de uma habitação para uma família pequena, incluindo dois dormitórios, sala e cozinha conjugados, banheiro, área de serviço e área de entrada, totalizando 48,50 m2 de área construída.

Durante a pesquisa, princípios de projetos bioclimáticos orientaram a busca da interação entre a habitação, as características físico-geográficas e o clima do local. As soluções adotadas buscaram incluir orientação solar, ventilação cruzada e sombreamento da edificação. Também foram adotados princípios da permacultura, atentando para instrumentos como o paisagismo produtivo e a criação de pequenos animais, para a produção local de alimentos. Isso sem falar na instalação de coletores solares de baixo custo, para aquecimento d’água, e coletores de água da chuva, para sua utilização na edificação e na escala do sítio.

O processo de desenvolvimento do Protótipo Casa Alvorada (PCA) teve início com a análise das idéias premiadas no Concurso Internacional de Idéias de Projeto, com o apoio da Passive and Low Energy Association (PLEA), que tinha por título “Design Ideas Competition Sustainable Housing for Poor” – Concurso Internacional de Idéias de Projeto – Habitações Sustentáveis para Populações Carentes.

Por Vinícius Carvalho, jornalista do Portal da RTS

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