Estado do Mundo 2010
Transformando Culturas
Do Consumismo à Sustentabilidade
Prefácio Christopher Flavin
Presidente do Worldwatch Institute
Os últimos cinco anos testemunharam uma mobilização sem precedentes em termos de esforços no combate ao avanço da crise ecológica mundial. Desde 2005, milhares de novas políticas governamentais foram implementadas, centenas de bilhões de dólares foram investidos em negócios e infraestrutura ecológicos, cientistas e engenheiros aceleraram enormemente o desenvolvimento de uma nova geração de tecnologias “verdes” e os meios de comunicação de massa converteram problemas ambientais em uma preocupação preponderante. Nesse alvoroço de atividades, uma dimensão de nosso dilema ambiental continua, em boa parte, negligenciado: suas raízes culturais.
À medida que o consumismo foi se enraizando em uma cultura depois da outra nos últimos cinquenta anos, tornou-se um vigoroso propulsor do aumento inexorável da demanda por recursos e da produção de lixo que marca nossa era. Naturalmente, impactos ambientais dessa magnitude não seriam possíveis sem uma explosão demográfica inédita, aumento de riqueza e as descobertas científicas e tecnológicas. Mas as culturas de consumo sustentam, e exacerbam, as demais forças que têm permitido às sociedades humanas crescer mais do que seus sistemas de sustentação ambiental.
As culturas humanas são diversas e diversificadas e, em muitos casos, têm raízes profundas e antigas. Elas permitem que as pessoas extraiam sentido de suas vidas e lidem com relacionamentos com outros e com a natureza. Os antropólogos relatam de forma notável que no cerne de muitas culturas tradicionais existe respeito e proteção aos sistemas naturais que sustentam as sociedades humanas. Infelizmente, muitas dessas culturas já se perderam, juntamente com as línguas e práticas que cultivaram, e foram colocadas de escanteio por uma cultura de consumo global que, em um primeiro momento, se apoderou da Europa e América do Norte, mas que hoje está arremetendo para os recônditos mais distantes do mundo.
Essa nova orientação cultural é não somente sedutora, mas também poderosa. Os economistas acreditam que ela vem desempenhando um papel importante no estímulo ao crescimento e redução da pobreza nas últimas décadas. Mesmo que esses argumentos sejam aceitos, não pode haver dúvida de que as culturas de consumo estão por trás daquilo que Gus Speth denominou a “Grande Colisão” entre um planeta finito e as demandas aparentemente infinitas da sociedade humana. Mais de 6,8 bilhões de seres humanos estão hoje exigindo quantidades cada vez maiores de recursos materiais, dizimando os ecossistemas mais ricos do mundo e despejando bilhões de toneladas de gases que bloqueiam o calor na atmosfera ano a ano. Apesar de um aumento de 30% na eficiência de recursos, o uso de recursos globais aumentou 50% nos últimos 30 anos.
E esses números poderiam continuar a aumentar rapidamente por décadas à frente, considerando-se que mais de 5 bilhões de pessoas, que atualmente consomem um décimo dos recursos per capita do europeu médio, tentam seguir o caminho aberto pelos ricos.
O Estado do Mundo abordou anteriormente as dimensões culturais da sustentabilidade, particularmente no Estado do Mundo 2004, cujo foco foi o consumo. Mas essas discussões foram breves e superficiais. No começo do ano passado, meu colega Erik Assadourian convenceu-me que o elefante na sala não poderia continuar a ser ignorado. No Worldwatch, nenhuma ideia boa fica sem punição, e Erik tornou-se o Diretor de Projeto do livro deste ano.
Embora mudar uma cultura, particularmente uma que seja de âmbito global, pareça desanimador, para não dizer impossível, os capítulos a seguir irão convencê-lo do contrário. Eles contêm diversos exemplos de pioneiros culturais – de líderes empresariais e autoridades governamentais a professores do ensino infantil e monges budistas. Esses pioneiros estão convencendo seus clientes, eleitores e colegas das vantagens de uma cultura que se respalde na natureza e assegure que as gerações futuras vivam tão bem, ou melhor, do que a atual. Valores religiosos podem ser revitalizados, modelos de negócios podem ser transformados e paradigmas educacionais podem ser ampliados.
Até mesmo publicitários, advogados e músicos podem provocar mudanças culturais que lhes permitam contribuir com a sustentabilidade, e não arruiná-la. Embora o poder destrutivo das culturas modernas seja uma realidade que muitos governos e empresários continuam a ignorar propositadamente, ele é sentido de forma aguda por uma nova geração de ambientalistas que está crescendo em uma era de limites globais. Os jovens sempre são uma força cultural potente e, em geral, um indicador expressivo dos rumos da cultura.
Dos chineses modernos que se inspiram na antiga filosofia taoista aos indianos que citam a obra de Mahatma Gandhi, dos americanos que seguem os ensinamentos da nova Bíblia Verde aos europeus que se apoiam nos princípios científicos da ecologia, o Estado do Mundo 2010 documenta que o renascimento de culturas de sustentabilidade já está em curso. Para assegurar que esse renascimento tenha êxito, precisaremos fazer com que um modo de vida sustentável seja tão natural amanhã como o consumismo é hoje. Esta publicação mostra que isso está começando a acontecer.
Na Itália, os cardápios escolares estão sendo reformulados, empregando alimentos locais saudáveis e ambientalmente benéficos, transformando, no processo, as normas de dieta infantil. Em subúrbios como Vauban, na Alemanha, faixas para ciclistas, turbinas eólicas e feiras de produtos agrícolas vendidos diretamente pelos produtores estão não apenas facilitando um modo de vida sustentável, mas também dificultando não fazêlo.
Na Interface Corporation, nos Estados Unidos, o CEO Ray Anderson radicalizou uma cultura de negócios ao estabelecer a meta de não tirar nada da Terra que não possa ser por ela substituído. E no Equador, os direitos do planeta até mesmo entraram na constituição, oferecendo assim um forte impulso para proteger os sistemas ecológicos do país e assegurar a prosperidade de seu povo a longo prazo.
Embora os pioneiros em sustentabilidade ainda sejam poucos numericamente, suas vozes soam cada vez mais alto, e, num momento de profunda crise econômica e política, essas vozes estão sendo ouvidas. Enquanto o mundo luta para se recuperar da mais séria crise econômica global desde a Grande Depressão, temos uma oportunidade inédita para rejeitar o consumismo.
A privação forçada está fazendo com que muitos repensem os benefícios de níveis de consumo cada vez maiores, e o consequente endividamento, estresse e problemas crônicos de saúde. No início de 2009, a Time Magazine proclamou o “fim do excesso” e convocou os americanos a apertar o botão de “reinicialização” em seus valores culturais. De fato, muita gente já está questionando a cultura de caubói, comprando carros menores, mudando-se para casas menos grandiosas e revendo a ocupação desordenada em áreas suburbanas que caracterizou a era pós-guerra.
E nos países pobres do mundo todo, as desvantagens do “modelo americano” estão sendo discutidas abertamente. Em Blessed Unrest [Bendita Inquietação], Paul Hawken documentou a recente proliferação de diversos movimentos não-governamentais que hoje trabalham para redefinir o relacionamento dos seres humanos entre si e com o planeta.
Embora o consumismo permaneça pujante e entranhado, de modo algum poderá ser tão durável como a maioria supõe. Nossas culturas estão, de fato, plantando as sementes de sua própria destruição. No final, o instinto humano de sobrevivência deverá triunfar sobre a compulsão para consumir a qualquer custo.
Christopher Flavin
Worldwatch Institute
download gratuito do livro: http://www.wwiuma.org.br/prefacio_cf.html
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