A região do Mali abrigou grandes impérios que marcaram a história do continente africano. Muitos, em sua época, considerados como as mais avançadas sociedades do mundo em sua complexidade social, estética e tecnológica. Além de formarem a identidade social do país, elas deixaram como legado importantes construções arquitetônicas, que trazem em suas estruturas a complexa e orgânica dimensão da engenharia de então. O destaque da arquitetura vernácula africana, que já inspirou grandes nomes do ocidente como Gaudí e Corbusier, está na coerência de sua integração à natureza e na harmonia ecológica de suas construções.

 

Marcadas pela utilização do barro como material de base e de acabamento, as edificações se mesclam com o cenário seco. A terra, o mais abundante e acessível material na natureza, é usada desde os tempos primitivos para a construção de casas, mas foram as técnicas desenvolvidas no Mali, adicionado à fluidez estética, que marcaram a história, com a utilização do tijolo adobe, feitos a partir de lama pisada, suplementado com componentes naturais como esterco ou grama picada. Os tijolos secos ao sol durante duas semanas são a base da construção, que utiliza o mesmo material como argamassa. Acima de tudo funcional, a arquitetura maliana nasce para aperfeiçoar a interação do homem com o meio ambiente seco e de ventos fortes, predominante na região. Assim, as construções, além da força de expressão criativa e autêntica, trazem técnicas complexas para a adaptação à atmosfera em que está inserida.

 

As casas são projetadas de modo que a diferença de temperatura entre o dia e a noite é compensada mediante a inércia térmica do edifício: as calorias acumuladas durante o dia são devolvidas à noite e o resfriamento noturno permite um refresco interno durante o dia. O edificado também é pensado sempre em movimento com o soprar do vento, sendo suas aberturas localizadas na direção oposta. Ainda são evitadas as formas chapadas de teto, a fim de diminuir a superfície exposta ao sol, sendo o material utilizado sempre de cores claras para abrandar a absorção de raios solares. Tudo apenas com materiais naturais e energia humana. As construções são reforçadas ou decoradas por pilares e pilastras. É comum a presença de um terraço no último piso suportado por vigas engenhosamente dispostas e um muro baixo arredondado construído para limitar o teto.

 

A Grande Mesquita, maior construção de barro no mundo, que encontra-se em Djenne, representa a fonte inesgotável de inspiração do gênero. A cidade é considerada patrimônio histórico mundial pela Unesco, pelo valor monumental de suas construções civis com o estilo característico da arquitetura do barro e por ser considerada testemunha excepcional das civilizações pré-islâmicas do delta interior do Níger. Escavações nas suas proximidades revelaram uma página importante da história humana que remonta ao século III A.C. Eles trouxeram à tona um conjunto arqueológico que testemunha uma estrutura urbana pré-islâmica com uma riqueza de construções circulares ou retangulares, bem como uma grande variedade de artefatos de terracota e de metal que comprovam a evolução de técnicas industriais e artesanais.

 A região onde se encontram os sítios arqueológicos é conhecida como Djenné – Djeno, que foi abandonada no século XIV em favor de Djenné, que já era habitada desde o século XI. Em Djenne, o sultão Koumboro converteu-se ao islamismo, abandonando seu palácio e o transformando na primeira mesquita da cidade, que foi destruída em 1830 e depois substituída em 1906 pela atual, que dá o charme à “nova” cidade. A Grande Mesquita traz eriçados em suas torres grandes troncos de madeira chamados de torreões, que se projetam do interior da estrutura, formando o destaque da construção. Além de cumprir o papel de apoio, os troncos servem como escada para o reboco do monumento, que é realizado uma vez por um ano, antes da época de chuva (geralmente em abril), com a participação de todos os moradores da cidade, que celebram uma grande festa para o acontecimento.

 A mesma técnica de conservação, que serve para proteger o edifício das chuvas e da umidade trazida com ela, é utilizada nas construções civis de Djenne, que também fazem parte da rede de edificações que preservam a história do Mali e ilustram a força estética da arquitetura do barro. A prestigiada mesquita da cidade somada às suas elegantes casas monumentais de composição rigorosa trouxeram a Djenne o título de “cidade mais bonita da África”. As casas de barro de Djenne são caracterizadas pela verticalidade, fachadas complexas e alpendres. Ainda as pilastras centrais e as portas e janelas com motivos decorativos trazem uma mensagem diferente a cada construção. Enquanto as pilastras principais representam os progenitores da casa, sendo as exteriores do homem e as centrais da mulher, os triângulos entre elas, representam a quantidade de filhos do casal. Já as portas e janelas, com influência da arquitetura marroquina, trazem recortes e símbolos representativos de cada família.

 Além de Djenne, cidades como Segou-Koro, antiga capital do reino Bambara, San com suas mesquitas, Tombuktu e sua universidade e bibliotecas, Gao com suas tumbas e Dogon, com seus vilarejos, são fortes representações da arte de construir maliana, onde o barro na sua simplicidade se transforma em fonte de inspiração, tornando a visita ao país obrigatória para arquitetos, engenheiros e interessados em admirar um dos mais originais modelos de arquitetura existente. O mundo ocidental, na sua intensa procura pelo equilíbrio entre homem e natureza, tem muito a aprender com a sustentabilidade, coerência estética e construção orgânica do Mali.

 

Fontes: – http://www.afreaka.com.br/arquitetura-do-barro/ e  http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.057/496/pt

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