Roberto de Souza – diretor do CTE
A sustentabilidade vem ganhando força significativa no setor da construção nos últimos quatro anos. São inúmeros os empreendimentos de diferentes tipologias que vem sendo objeto de práticas sustentáveis e certificação ambiental, em diferentes regiões do País. Cresce também a preocupação das empresas da cadeia produtiva da construção com a adoção de políticas de sustentabilidade e ações de responsabilidade social empresarial.
As perspectivas de crescimento do setor da construção e do mercado imobiliário são muito promissoras para os próximos anos e temos gargalos de prazos, custos, qualidade de obras e qualificação profissional, aspectos que também se referem ao desenvolvimento sustentável do mercado e das empresas da cadeia produtiva.
Na entrevista abaixo faço uma revisão conceitual da sustentabilidade aplicada à construção, considerando suas dimensões econômicas, ambientais e sociais, assim como uma retrospectiva das principais ações que as empresas do setor vêm conduzindo no campo da construção sustentável e da certificação de empreendimentos. Ao final aponto para os passos de implantação de um programa de gestão da sustentabilidade em empresas de incorporação e construção.
A sustentabilidade há muito deixou de ser modismo, e hoje desponta como tendência no mundo para um novo modelo de desenvolvimento econômico, para uma economia verde, inclusiva e responsável. O setor da construção civil já reconhece esta tendência?
Roberto de Souza – Realmente a sustentabilidade vem assumindo importância estratégica para os governos e empresas de vários setores da economia mundial. A crise de 2008, de início, fez refluir o movimento pela sustentabilidade nos países desenvolvidos. Em um segundo momento, no entanto, ficou claro que a crise ocorreu devido à fragilidade de um dos tripés da sustentabilidade, o econômico, por conta de um sistema financeiro internacional inconsistente e insustentável.
A retomada da economia mundial vem, a partir de então, pautada pela discussão de novos modelos econômicos, com forte ênfase ambiental, social e responsável, fortalecendo os aspectos econômicos e financeiros.
Em vários países, o setor da construção civil já reconhece esta tendência, assumindo práticas sustentáveis especialmente em empreendimentos, projetos, materiais e obras e parcialmente incorporando a sustentabilidade na empresa como um todo. Na construção civil brasileira, podemos ver esta tendência também ser reconhecida pelo crescimento acentuado de empreendimentos sustentáveis nos últimos quatro anos em vários segmentos: arenas esportivas, hospitais, shoppings e edifícios comerciais, industriais e habitacionais.
Como poderiam ser avaliadas as dimensões sociais, ambientais e econômicas no setor da construção civil?
Roberto de Souza – A dimensão econômica está relacionada aos resultados financeiros das empresas e dos empreendimentos. Ou seja, ao crescimento do faturamento e lucro das empresas, ao volume de vendas dos empreendimentos imobiliários, assim como à rentabilidade e taxa interna de retorno do capital investido. O atendimento aos prazos e o descolamento dos custos de obras em relação ao planejado e orçado, são também aspectos da dimensão econômica, pois estão diretamente ligados à rentabilidade dos empreendimentos. A qualidade do produto final é também uma dimensão econômica, pois está associada à satisfação do cliente, umdos principais stakeholders da empresa,e à redução de desperdícios e custos de manutenção do empreendimento pós-entrega.
A dimensão ambiental está relacionada aos resultados de redução dos impactos ambientais gerados pelas empresas e seus empreendimentos. Por exemplo, à eficiência energética, à redução do consumo de água, ao uso de materiais reciclados, à qualidade do ambiente interno, à minimização da geração de resíduos durante a obra e à gestão do lixo na fase de uso do empreendimento. As ações tomadas na fase de concepção do produto, desenvolvimento do projeto, especificação dos materiais e execução das obras, contribuem de forma significativa para o desempenho ambiental ao longo da vida útil do empreendimento.
A dimensão social está relacionada aos resultados sociais gerados pelas empresas, empreendimentos e obras. Podemos incluir nesta dimensão: o comportamento ético, os projetos de responsabilidade social, a gestão de pessoas e as ações de voluntariado das empresas. Estão também nesta dimensão as práticas de segurança e saúde ocupacional nos canteiros e as ações sociais e culturais nas obras, como programas de alfabetização, capacitação e treinamento, inclusão digital e implantação de bibliotecas em obras.
O setor da construção mostra-se hoje vigoroso diante dos indícios de um novo ciclo de expansão e das boas perspectivas de desenvolvimento do País para esta nova década. Quais as oportunidades que o setor tem para inserir a sustentabilidade em sua agenda nos próximos anos?
Roberto de Souza – Todos os indicadores apontam para um cenário de crescimento acelerado da construção civil no País. Os indicadores de desenvolvimento econômico são animadores, o mercado imobiliário está em franca expansão, o programa Minha Casa Minha Vida permitiu a entrada de novos segmentos sociais no mercado e teremos a Copa 2014 e as Olimpíadas 2016 com muitos investimentos em infraestrutura e mobilidade urbana.
A primeira questão é o que fazer para este crescimento ser sustentável? A cadeia produtiva está preparada para atender esta demanda?
É necessário, de antemão, um plano estratégico setorial para garantir que não faltarão recursos de investimento e financiamento, materiais e equipamentos, e profissionais qualificados, como projetistas, engenheiros de obras, equipes de produção. As empresas e o governo deverão também estar preparados em termos de planejamento e gestão para aprovar, projetar e construir dentro dos prazos e custos definidos, com garantia da qualidade.
A segunda questão diz respeito às diretrizes ambientais para o desenvolvimento, projeto e construção dos vários empreendimentos resultantes deste crescimento, que, como já falamos, envolvem economia de energia e água, utilização de materiais reciclados, gestão de resíduos e garantia da qualidade do ambiente interno.
Neste aspecto, temos hoje várias iniciativas em curso no mercado, que podem ser fortalecidas. A certificação ambiental dos empreendimentos pelo modelo americano do LEED®, do Green Building Council, por exemplo, vem crescendo de forma significativa no País. Hoje ocupamos a quinta posição no ranking de empreendimentos registrados para certificação (quase 200 empreendimentos), abaixo dos EUA, Emirados Árabes, Canadá e China. O modelo francês de certificação ambiental (AQUA) também começa a ocupar espaço no País. A Caixa Econômica Federal lançou também o Selo Casa Azul com 54 diretrizes para a construção sustentável dos empreendimentos. A Fifa tem um conjunto de diretrizes de sustentabilidade para a construção dos estádios, assim como o Comitê Olímpico Brasileiro para as Olimpíadas.
Na questão social, há um grande espaço para o setor investir na capacitação e o treinamento de seus profissionais nos diversos níveis, promovendo o desenvolvimento profissional de arquitetos, engenheiros e tecnólogos e a inclusão social dos operários para gerar aumento de emprego e renda.
Quais as práticas sustentáveis que o setor da construção no Brasil tem incorporado para o desenvolvimento sustentável de seus empreendimentos, projetos e obras?
Roberto de Souza – As principais práticas sustentáveis que estão sendo adotadas nos empreendimentos no Brasil podem divididas nas seguintes categorias e fases do empreendimento:
Estudos preliminares e concepção do produto: análise dos impactos econômicos e socioambientais; localização próxima aos transportes públicos; densidade e conectividade urbana.
Inserção do empreendimento no meio ambiente e na malha urbana: proteção e maximização de áreas verdes; acessibilidade nos empreendimentos; gestão da permeabilidade e escoamento das águas pluviais.
Uso e conservação de água: aproveitamento de águas pluviais; redução do uso de água potável para irrigação; medição individualizada de consumo.
Gestão do uso de energia: luminárias de alto rendimento e lâmpadas eficientes; sistemas de automação; elevadores inteligentes; estudos dos sistemas prediais para melhor desempenho energético; equipamentos e motores elétricos de alto desempenho.
Seleção de materiais e resíduos: redução do desperdício de materiais; previsão de áreas para depósitos de recicláveis; seleção de materiais com conteúdo reciclado e de madeiras com manejo sustentável.
Qualidade do ambiente construído: conforto ambiental; aproveitamento da iluminação natural.
Práticas ambientais nos canteiros de obras: gestão da geração de resíduos e coleta seletiva; desmobilização do canteiro com reaproveitamento; minimização das interferências no entorno: manutenção e limpeza de ruas e calçadas, arranjo físico do canteiro, proteção de bocas de lobo, execução de lava rodas e lava bicas; proteção de taludes e do solo contra erosão.
Práticas sociais nos canteiros de obras: saúde, segurança e condições de trabalho; educação e desenvolvimento profissional; ações sociais voltadas à comunidade; alfabetização; áreas de vivência e desenvolvimento cultural para os trabalhadores; inclusão digital.
Esta tendência já está sendo incorporada ou pensada também com relação ao desenvolvimento urbano?
Roberto de Souza – Paulatinamente a sustentabilidade vem sendo objeto de reflexão com relação ao desenvolvimento urbano, pelo menos no âmbito de bairros sustentáveis. Os países europeus, e em especial a França, via seu sistema de certificação ambiental HQE, está trabalhando em projetos de bairros sustentáveis. O USGBC apresentou no mês de junho deste ano a norma LEED-ND, focada na certificação ambiental de bairros sustentáveis. Alguns empreendimentos pilotos dentro e fora dos EUA estão aplicando esta metodologia em projetos de intervenção urbana e, no Brasil, a norma está sendo debatida e deve ser implementada em alguns empreendimentos.
Temos também aqui, o exemplo do loteamento Genesis da Takaoka, em Santana do Parnaíba/SP, desenvolvido a partir de premissas sustentáveis, que obteve a certificação ISO 14.000. Destaca-se também o empreendimento Pedra Branca, em Santa Catarina, que segue um conjunto de premissas sustentáveis.
Temos ainda o projeto Porto Maravilha, retrofit urbano no Rio de Janeiro, que está sendo concebido a partir de diretrizes de sustentabilidade.
Os ganhos de sustentabilidade acontecem apenas via certificação dos empreendimentos? Como ampliar a visão da sustentabilidade para os negócios das empresas da cadeia produtiva da construção?
Roberto de Souza – A sustentabilidade na construção brasileira realmente está acontecendo via certificação de uma ampla gama de empreendimentos pelo modelo americano do LEED-Green Building. Como este modelo define diretrizes sustentáveis a serem adotadas no empreendimento, temos alcançado muitos ganhos em diversas áreas, em especial na concepção de projetos, desenvolvimento de novas tecnologias e materiais e procedimentos de execução de obras.
Porém ainda estamos longe de incorporar, na estratégia e na gestão das empresas da cadeia produtiva da construção, todo o potencial que a sustentabilidade nos permite.
Quando tratamos do Green Building, nos referimos essencialmente à dimensão ambiental da sustentabilidade, deixando de lado as dimensões econômicas e sociais. Além disso, a empresa incorporadora em geral aplica as diretrizes do LEED somente ao empreendimento em processo de certificação, quando tem dezenas de empreendimentos em andamento.
Como aplicar, então, os conceitos da sustentabilidade ao DNA das empresas da cadeia produtiva da construção?
Roberto de Souza – Em primeiro lugar, abrindo espaço para incluir os aspectos de responsabilidade socioambiental na estratégia das empresas, em seus valores e em suas diretrizes de gestão. Algumas ações concretas podem sinalizar aos stakeholders da organização o compromisso com o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, a adesão da empresa ao Pacto Global, a adoção dos indicadores ETHOS para medir o estágio da empresa em relação ao compromisso socioambiental, assim como podem ser desenvolvidas ações corporativas para reduzir as emissões de CO2 e o aquecimento global, e implementadas ações de responsabilidade social empresarial.
Em segundo lugar, as empresas podem incorporar as diretrizes ambientais, sociais e econômicas — tripé da sustentabilidade — aos seus processos de gestão. Por exemplo, uma incorporadora e construtora pode definir contornos sustentáveis para os processos de escolha de terreno, concepção de produto, desenvolvimento de projeto, suprimentos, execução de obras, manual de uso e assistência técnica. Para tal, os processos podem ser redesenhados, incluindo diretrizes socioambientais e check lists para verificar se as diretrizes estão sendo efetivamente aplicadas. Ou seja, podemos rodar nos processos empresariais um ciclo especial de PDCA, que incorpore a sustentabilidade no dia a dia da incorporadora e construtora.
Nas empresas fabricantes de materiais, a inclusão do DNA da sustentabilidade é também plenamente possível. No aspecto da produção, é necessário inovar nos produtos e redesenhar os processos de fabricação de materiais, incorporando as metodologias de Design Sustentável e Análise do Ciclo de Vida do Produto.
Enfim, a questão da sustentabilidade é um desafio complexo para as empresas da cadeia produtiva, mas pode ser enfrentada de forma evolutiva, definindo-se planos de ação e prazos factíveis, que irão consolidar a cultura do desenvolvimento sustentável na organização. Na verdade, trata-se de estabelecer um programa estratégico, pois a tendência é a de evoluirmos cada vez mais rápido para uma sociedade e uma economia em que os valores da sustentabilidade sejam adotados por consumidores, contratantes, investidores e governos.
“Pensar globalmente e agir localmente”, esta é uma boa dica para as empresas que têm compromisso com as futuras gerações.
Quais seriam os passos concretos para implantar de forma objetiva a sustentabilidade nos processos de gestão das empresas de construção?
Roberto de Souza – A incorporação dos conceitos de sustentabilidade nas organizações consiste em um dos grandes desafios para a diferenciação entre as empresas do setor da construção visando seu desenvolvimento sustentável.
A ampliação da visão puramente econômica com a inclusão das dimensões ambientais e sociais na estratégia empresarial, aliada a ferramentas para a gestão e controle das operações de forma transparente e ética, são, certamente, objetivos a serem alcançados pelas organizações preocupadas com sua atuação no médio e longo prazo.
Mas como de forma prática dar os passos rumo à gestão da sustentabilidade nas empresas de incorporação e construção?
Inicialmente, conhecendo as principais iniciativas, normas e referências em sustentabilidade do mundo e do Brasil e selecionando as adequadas à realidade do setor da construção, tanto nos aspectos corporativos quanto nos aspectos aplicáveis a empreendimentos, projetos, materiais e obras.
Em segundo lugar, definindo o posicionamento atual da empresa em relação às práticas de sustentabilidade reconhecidas internacionalmente, criando um plano de ação visando implantar projetos de responsabilidade social e ambiental, mapeando as partes interessadas no negócio da empresa (stakeholders) e promovendo o diálogo e engajamento da organização com seus diferentes públicos. Este segundo passo deve ser complementado com a criação de um programa de alinhamento, sensibilização e educação dos colaboradores para promover a cultura da sustentabilidade. Definir uma política de sustentabilidade e incorporá-la na missão, visão e valores da empresa, encerram este segundo passo e alinham a estratégia, a gestão e a cultura empresarial.
O terceiro passo rumo à gestão da sustentabilidade é o desdobramento dos aspectos socioambientais para os processos de seleção do terreno, concepção do produto, desenvolvimento do projeto e lançamento do empreendimento. Neste momento, além de definir critérios de sustentabilidade para aquisição do terreno, é importante definir de forma clara o que é um empreendimento sustentável e quais diretrizes de sustentabilidade serão adotadas na prática. Tais diretrizes envolvem a dimensão ambiental — energia, água, resíduos, materiais reciclados, áreas verdes, áreas contaminadas — e a dimensão da responsabilidade social no desenvolvimento do empreendimento. Todas estas diretrizes devem ser desdobradas para os projetos e especificação de materiais, e chegar também à campanha de lançamento e marketing do empreendimento.
O quarto passo é o da gestão do processo de suprimentos com foco na sustentabilidade, o que envolve a definição de critérios ambientais e sociais para seleção, contratação e avaliação de fornecedores de projeto, materiais e serviços de execução de obras e outros serviços contratados pela incorporadora e construtora. Trata-se, neste momento, de expandir as práticas de sustentabilidade para a cadeia de fornecedores.
O quinto passo é a gestão da sustentabilidade dos canteiros de obras. É fundamental definir o que é uma obra sustentável, definir as diretrizes ambientais para a implantação e operação do canteiro — água, energia, resíduos, poluição, recursos naturais, preservação de fauna e flora, solo e subsolo — e as diretrizes sociais na gestão e execução da obra — relacionamento com a comunidade local, relações de trabalho, direitos humanos, educação e desenvolvimento dos trabalhadores, inclusão social, inclusão digital, ambiente de trabalho, saúde e segurança do trabalho e educação ambiental dos colaboradores de obra.
O sexto passo está focado na gestão da sustentabilidade na entrega do empreendimento e na fase de uso, operação e assistência técnica. Neste momento são definidas as diretrizes sustentáveis para a operação, uso e assistência técnica do empreendimento, assim como um programa de educação ambiental para os usuários e operadores. Tais diretrizes são consolidadas no manual de operação, uso e manutenção do edifício, destacando as tecnologias sustentáveis implantadas.
O sétimo passo rumo à gestão da sustentabilidade é o monitoramento, controle e comunicação da sustentabilidade. Para tal, é necessária a criação de indicadores para monitoramento e controle do desempenho econômico, ambiental e social da empresa. Este monitoramento do desempenho vai permitir a elaboração de relatórios de sustentabilidade da empresa com base em referências, como os Indicadores do Instituto ETHOS e do GRI – Global Reporting Initiative. Com os relatórios consolidados, é possível definir formas de comunicação da sustentabilidade empresarial tanto para o público interno quanto para as partes interessadas no negócio da incorporadora e construtora, divulgando as vantagens competitivas da empresa no que se refere à sustentabilidade.
[…] This post was mentioned on Twitter by Programa Linha Verde, Recriar.com.Você and Míriam Morata Novaes, Recriar.com.Você. Recriar.com.Você said: RT @recriarcomvoce PANORAMA SOBRE A SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUÇÃO http://bit.ly/fPoyzA #civil #sustentabilidade […]