“Sustentabilidade é uma palavra associada ao desenvolvimento sustentável como um engodo que quer esvaziar o discurso ecológico. A economia visa a produção, potenciar o consumo e gestar riqueza. Na realidade, ela devasta a natureza e cria grandes desigualdades sociais. Antes, a política controlava a economia, mas agora é a economia que controla a política. É como um lobo no meio de cordeiros que devora e explora sem limite o planeta Terra”. Foi com estas palavras contundentes que Leonardo Boff deu início ao seu discurso no Fórum Global da Sociedade Civil em Curitiba. Ele entende que o sistema vive de duas ilusões, pois imagina que os recursos são infinitos e que podemos desenvolver infinitamente. “Para universalizar este modelo nós necessitamos de três planetas Terra”, advertiu.

Citando o historiador Eric Hobsbawn e o escritor ambientalista James Lovelock Leonardo Boff resumiu o destino da humanidade em duas palavras: “ou mudamos, ou morremos”. Ele explicou, a uma atenta platéia, que dentro desse modelo de desenvolvimento não há salvação para a Terra nem para os homens. Deixou claro, porém, que ter sentido crítico a essa expressão não quer dizer que não se possa fazer desenvolvimento sustentável em algum lugar. “Mas de forma global ele é inadequado porque a terra já perdeu 20% da sua capacidade de recuperação e nós humanos a ocupamos devastando 80% do planeta, por isso precisamos de um novo paradigma civilizatório”, pontuou.

Falar em sustentabilidade, significa dizer que todos os seres vivos estão intro-retro-relacionados; não existe um crescimento linear; existe um crescimento de redes, de relações. “Nós precisamos usar os recursos de tal maneira, que satisfaçam nossas necessidades, as necessidades de nossos filhos e as de nossos netos que virão”, citou uma idéia exposta no documento “Nosso Futuro Comum”, publicado em 1982 e mais conhecido como “Relatório Brundtland”, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas e presidida por Gro Brundtland, primeira-ministra da Noruega. Este documento, que discutiu o futuro da humanidade sob uma perspectiva ambientalista, foi discutido e aprovado durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), Rio de Janeiro, em junho de 1992), também conhecida como ECO-92 ou Cúpula da Terra.

Carta da Terra

Infelizmente, são as ações antrópicas, aquelas geradas pelo homem, as principais responsáveis pelas mudanças no ambiente e pela extinção, de forma irreversível, da diversidade da vida no planeta. Segundo Boff, mais de um terço da humanidade não tem sustentabilidade alguma: “é pobre ou é miserável”. O ETHOS, definido por ele como sendo a morada humana, agrega valor à palavra ética. “Hoje, a morada humana não é a nossa casa, não é a nossa rua, não é o nosso bairro, não é a nossa cidade; é o planeta Terra; a ética hoje tem que contemplar os seres humanos; o homem já construiu máquinas capazes de destruir a nossa espécie; nós somos espécies dementes e não sapientes”, admitiu.

Foi na Carta da Terra, documento que começou a ser elaborado durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, divulgado no ano 2000 e aprovado pela ONU em 2002, que o frei Leonardo Boff buscou inspiração para dizer que a ética nasce, a partir de uma nova ótica. “Ela nasce de uma visão ampla e holística, de sabermos que não estamos sozinhos, que não usamos sozinhos a biosfera, que a humanidade é parte de um vasto universo; a Terra é viva, é Gaia, é um imenso organismo vivo”, definiu. Ele explicou ainda que o ser humano é apenas um capítulo da vida. “Desde as bactérias até o homem existe o mesmo código genético”.

Uma nova ética salvadora

Boff citou quatro princípios e quatro virtudes da ética, fundados em uma nova ótica salvadora, que, na sua visão, podem salvar a humanidade da destruição. Estes princípios são: “dar centralidade à afetividade, sensibilidade e ao afeto; o cuidado; a cooperação, lei suprema do universo; e a responsabilidade, no sentido de que cada um tem que dar conta das conseqüências de seus atos. Para as virtudes ele citou a hospitalidade, muito necessária em um mundo que, segundo ele, abriga 300 milhões de refugiados; a convivência ou coexistência, para que possamos formar uma comunidade de vida; o respeito a todo ser, posto que cada ser tem um valor intrínseco e a comensalidade, que para ele significa “poder sentar à mesa, em família, saborear da generosidade da Terra, enquanto seres humanos e ter garantido o direito à soberania alimentar”.

Concluindo, ele disse que “estes princípios e virtudes fundamentam nossa espiritualidade, nossa experiência de ser, nossa descoberta do criador do céu e da terra, nossa paz. E a melhor definição de paz que eu conheço é dizer que ela é como a plenitude que resulta da boa relação de você consigo mesmo, com o outro, com a Terra. O resultado disso tudo é a paz perene, hoje, o grande anseio da humanidade”. O público, emocionado, aplaudiu de pé durante cinco minutos. A imprensa partiu para cima do palestrante, a fim de arrancar declarações mais específicas. Foi a glória. E como disse um jornalista local: valeu o dia! E outro: Valeu o evento inteiro.

Educação e sustentabilidade

A vice-presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente e ex-presidente da Confederação de Educadores da Argentina, deputada Marta Maffei, abriu a palestra dizendo que “a complexidade ambiental tem a dimensão de uma crise civilizatória que se assenta em uma relação injusta, com grande acúmulo e desperdício por um lado e extrema carência por outro”.

Para Marta, os grupos econômicos que governam “de fato” estão inseridos nos partidos políticos, nos governos e na burocracia do Estado. São estes grupos, acrescenta, que orientam acordos multilaterais, como os da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), idealizada pelos Estados Unidos e que prevê a isenção de tarifas alfandegárias para quase todos os artigos produzidos por grupos que exploram os recursos naturais e exportam a diversidade biológica por meio da pirataria. “E estas empresas transnacionais se instalam nos países em desenvolvimento com suas indústrias contaminantes, que, aliás, são proibidas nos países do Norte”, agregou. Ela acredita que isso se deve a governos débeis, que aprovam uma legislação frouxa e cujos controles são muito débeis.

A deputada argentina acrescentou, ainda, que as pesquisas, a tecnologia e o conhecimento são dirigidos para a produção de insumos para as empresas, as quais estão totalmente afastadas de qualquer neutralidade científica. “A neutralidade não exise e o povo não se dá conta disso”, reitera. Marta credita também aos grandes meios de comunicação uma parcela de culpa porque, segundo ela, estes meios manipulam, formam opinião e contirbuem para tornar natural o horror. “Em tal situação, qual é o papel da educação?”, pergunta. “Na Argentina, a capacitação dos docentes sobre temas ambientais é dada pelas próprias empresas. Os políticos não conhecem nada de ambiente e dependem dos técnicos, que, por sua vez, são contratados pelas empresas, das quais se tornam dependentes e isso cria um círculo vicioso de dominação”, enfatiza.

“Os lutadores sociais são acusados de se oporem ao progresso, de lutarem contra o progresso do país, mas as pessoas necessitam sobreviver e aceitam qualquer trabalho, assim vamos nos acostumando aos nossos inimigos”. “As empresas”, continua, “posam de boazinhas porque dão um ventilador para um asilo, distribuem camisetas para crianças ou doam um aparelho de ecografia para um hospital. Com isto, os trabalhadores não conseguem aceitar que as empresas sejam nossas inimigas, que vêm sacar e devastar os nossos recursos naturais”.

Fazendo um comparativo, ela disse que existem algumas diferenças entre a ciência ambiental e a velha ciência. Esta é soberba, acha que o conhecimento científico é absoluto, não é neutra, posto que é conduzida pelos políticos e tem uma abordagem do conhecimento fragmentada porque não existe conhecimento holístico, global, nem ambiental. A ciência ambiental reconhece que não existe verdade absoluta, que nós cometemos erros, sai da fragmentação e é essencialmente holística.

Controlar o próprio controle

«No entanto não existe disciplina científica que não se baseie na necessidade de controlar seu próprio controle. É necessário tornar-se não os mestres do mundo ou os mestres e possuidores da Natureza, mas sim os sábios do nosso auto-controle». (Michel Serres, 1995)

Para Louise Vandelac, o grande perigo para a biodiversidade é a comercialização dos Organismos Vivos Geneticamente Modificados (OGMs), que, segundo explicou, são plantas pesticidas, que não morrem com a presença massiva de pesticida. Ela acrescentou, ainda, que a semente Terminator, ou exterminadora, conforme o próprio nome sugere, que não permite que o agricultor utilize as sementes na safra seguinte, porque são estéreis, está sendo anunciada como o organismo que irá controlar a população de animais e vegetais. “Será que isso não irá permitir acelerar a difusão da segunda geração de OGMs: vegetais, animais, árvores e insetos? “, indaga e alerta que “esta nova geração de OGMs já existe em laboratório”.

A professora canadense explicou também que 98% das sementes transgênicas produzidas no mundo atualmente são plantas pesticidas e que existemapenas quatro tipos de plantas transgênicas, soja, milho, algodão e canola, cultivadas em apenas cinco países: Estados Unidos, Argentina, Brasil, Canadá e China. Segundo ela, 60% desta produção é de soja. O grande perigo, acrescentou, é a concentração da indústria, pois 74% das patentes destas sementes estão concentradas em seis grandes empresas: a Syngenta, empresa suíça, a Bayer e a Basf, da Alemanha, a Monsanto e a Dow, dos Estados Unidos. “A cultura transgênica já é três vezes maior que a cultura orgânica no mundo e no Brasil, ela cresceu de 5 milhões de hectares cultivados em 2004 para 9,4 milhões de hectares em 2005.

Louise destacou as crises que atingem o planeta nos últimos anos: a gripe aviária, que começou na Ásia e vem se espalhando pelo resto do mundo como um rastilho de pólvora; a crise da vaca louca, ou BSE (sigla de Encefalopatia Bovina Espongiforme, em inglês) que destruiu a pecuária bovina no Reino Unido e custou milhões de libras em indenizações e que já matou 70 pessoas em decorrência da variante humana da doença, conhecida como doença de Creutzfeldt; a crise do petróleo e a crise da terra. Ela chamou a atenção para o fato de que para se produzir um quilo de proteína animal são necessários seis quilos de proteína vegetal e que 40% das colheitas no mundo são para os animais.

Impactos

Recorrendo a uma vasta bibliografia, Louise mostrou que vários estudos recentes sobre o Roundup e o glifosato, poderosos herbicidas, tóxicos e biocidas, feitos para eliminar algumas espécies de seres vivos, cuja ação é considerada danosa aos interesses do homem, e que vem sendo utilizado com ampla aceitação e intercâmbio entre governos de vários países, causa impactos danosos ao meio ambiente (águas e solos), sobre a fauna e sobre a saúde e são responsáveis pelo declínio de 70% da biodiversidade de anfíbios e 86% da massa total de girinos.

Além de inibirem a eclosão de ouriços do mar; estes herbicidas desregulam o ciclo celular, afetando um “ponto de controle” das quebras do DNA, alterando os processos de respiração das mitocôndrias do fígado dos ratos. Para os humanos, abaixo do nível de toxicidade, os efeitos da Roundup são medidos pela síntese dos hormônios sexuais, que permite classificar esse herbicida por potenciais perturbações endócrinas. “Todos esses aspectos, reforçam a necessidade de estudos independentes, principalmente para os mamíferos”, concluiu.

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larissa jane
larissa jane
13 anos atrás

nossa eu acho isso muito interessante
sou fã da ciencias hoje em dia…..

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[…] This post was mentioned on Twitter by Míriam Morata Novaes and Míriam Morata Novaes. Míriam Morata Novaes said: RT @recriarcomvoce: RT @recriarcomvoce Ética, biodiversidade, educação e .. http://bit.ly/g4ORIk #biodiversidade #ambiental #sustentabil … […]

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